No dia 9, ocorreu no Supremo Tribunal Federal (STF) a primeira sessão dedicada ao interrogatório dos réus acusados de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. O grupo é conhecido como “núcleo 1” ou núcleo crucial – isso por conta da posição de poder na hierarquia da arquitetura golpista.
A imprensa noticiou com expectativas o encontro entre Jair Bolsonaro, Mauro Cid e o ministro Alexandre de Moraes. Na sessão, a fala de Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, monopolizou a atenção. Para quem leu a peça jurídica de acusação ofertada pelo procurador-geral da República ao STF, não houve muita novidade. Cid reafirmou aquilo que havia dito em sua delação premiada. Juridicamente, sendo réu colaborador, ele não tinha, como os demais acusados, o direito de permanecer em silêncio. Assim, o colaborador foi inquerido por Moraes, por outros ministros e, ainda, pelos advogados. Muitos jornalistas, em suas análises, afirmaram que a fala de Cid complica (implica ainda mais) Bolsonaro e Braga Netto e que foi boa (não tão ruim) para Augusto Heleno e Anderson Torres.
Há, obviamente, muitas visadas que poderiam ser analisadas acerca do primeiro dia de interrogatório. Quero aqui trazer à tona a dimensão individual, a de Cid, mas com desdobramentos sociológicos. Em uma de suas primeiras intervenções, ele asseverou que a sua vida mudou completamente: perdeu a promoção que teria no Exército, acabando com a sua carreira; teve perdas financeiras; e ganhou a angústia no bojo familiar, além de uma depressão que seguiu aos episódios narrados.
Os cronistas da cena política nacional publicaram perfis de Cid nos quais indicavam que esse nutria por Bolsonaro uma verdadeira adoração, tendo uma crença quase inabalável no “mito”. Assim, um problema que se apresenta é quando, segundo Weber, a ética da convicção se assenhora do comportamento dos indivíduos, levando-os a se afastar da racionalidade e agindo alicerçados em suas convicções, em seus valores, não se importando com o resultado de suas ações.
Ademais, Cid tinha a convicção da reeleição de Bolsonaro e, por isso, a certeza de que suas condutas eram corretas e que defendiam o Brasil de uma fraude nas urnas, e não só avalizada como incentivada pelo STF.
Nesse caso em tela, além da ética da convicção, pode-se asseverar mais dois outros fenômenos concomitantes: o viés de confirmação e a dissonância cognitiva. O primeiro se dá, especialmente, entre indivíduos e grupos que vivem em bolhas, concentrando aqueles que compartilham os mesmos valores e a mesma visão de mundo, no campo ideológico e político.
Dessa forma, as bolhas ganham impulsionamento pelos algoritmos das redes sociais e as mensagens que chegam até os indivíduos costumam confirmar as crenças que são compartilhadas. Já a dissonância cognitiva, de modo geral, é uma posição em que fatos da realidade se contrapõem às crenças: em vez de repensarem aquilo em que se acredita, os indivíduos e grupos ignoram a realidade desconfortável e, não raro, criam uma ideia paralela não sendo incomodados por fatos concretos, dados empíricos ou conhecimentos oriundos da ciência.
Cid, bem como muitos dos operadores do 8 de Janeiro, agiam assentados na ética da convicção, dentro de suas bolhas, com viés de confirmação, e entraram em dissonância cognitiva. A retórica bolsonarista, sempre pautada em fake news, pós-verdade, negacionismo e teorias da conspiração, criou o ambiente cultural perfeito para a tentativa de golpe. Agora, encontram-se com a Justiça todos aqueles que buscaram solapar a democracia e suas instituições vigentes.